domingo, 20 de outubro de 2013

Tecendo a manhã - João Cabral de Melo Neto


Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

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E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão. 

João Cabral de Melo Neto, in A Educação pela Pedra (1965).